Quando o Fim se Transforma em Começo



Frio. 
Essa era a sensação que eu tinha ao encostar o revolver em minha têmpora, mas eu não achava que fosse esse o motivo dos arrepios que percorriam minha espinha. 
"Puxe o gatilho, isso passará" 
"E se não passar, você só terá uma eternidade para se arrepender em agonia" 
"Puxe. Morra. Desista. Viva. Mate. Agonize. Lute" 
Esses "pensamentos" eram a causa dos meus arrepios, e mesmo os ouvindo em minha cabeça, com uma voz que lembrava a minha, eu não os tinha como pensamentos meus. Já ha alguns anos eu pensava que estava louco, porém as ultimas semanas me deram essa certeza e todos os esses acontecimentos me trouxeram à essa saída, por algum motivo porém meu dedo não conseguia puxar o gatilho e todas aquelas vozes vinham acompanhadas de calafrios, que se transformavam em pontadas, como se agulhas estivessem sendo enfiadas em minha cabeça lentamente para prolongar a dor. 
"Atire. Não atire. Você sabe que quer. Ou talvez não saiba." 
"É só uma vida. Não é só uma vida, e também não é só a sua vida" 
Então eu me lembrei de Tris, seu rosto veio em minha mente, e acompanhado dele uma explosão, ou pelo menos a sensação que eu tive com a dor em minha cabeça ao pensar na mulher que amei. 
"A morte não pode ser pior que isso." 
Esse foi o pensamento que faltava, realmente a morte não poderia ser pior que uma vida sabendo o que aconteceu à Tris, e com ela por ultima lembrança finalmente puxei o gatilho, ainda tive tempo de ouvir o estouro do revolver e então... 
 'Olá Luke, tenho te esperado já há algum tempo" 
Havia um homem parado a minha frente, o cara parecia um desses atores que as meninas se apaixonavam facilmente, mas havia algo em suas feições que o tornavam meio desagradável de se olhar, como se seu rosto estivesse distorcido. 
"Eu estou no hospital?" 
Mas assim que as palavras saíram da minha boca eu já sabia a resposta. 
"Longe disso" disse o homem, abrindo um sorriso sinistro. Eu estava deitado em algo que eu na saberia descrever e nem dizer se era confortável ou não, em um ambiente que parecia extremamente claro, mas que eu não conseguia enxergar com clareza. 
De repente, sem ter consciência, eu estava em pé e, por alguns instantes eu  tive duvidas se realmente estive deitado em algum momento. 
"Então onde eu estou? Quem é você?' 
Ao ouvir minha pergunta o homem riu, mas era uma risada totalmente desprovida de alegria, ou qualquer outro sentimento, passei a me perguntar se era mesmo uma risada. 
"Homens, vocês são tão previsíveis, mas eu sempre espero mais de alguns de vocês, e invariavelmente me decepciono. Existem muitas respostas para suas perguntas, e talvez elas abram caminho para mais perguntas. Mas eu não tenho pressa, e suponho que você também não" 
Mais uma daquelas risadas deturpadas escapou de seus lábios. 
"Desculpe, ás vezes não consigo me conter. Mas vamos lá. Pergunta numero um: Onde você está. 
Eu gosto de chamar este lugar de limbo, mas talvez você o conheça como purgatório, mas assim como eu esse lugar tem vários nomes." 
Eu não sabia por que, mas nada do que ele falava me surpreendia, na realidade eu não lembrava de ter sentido nada desde que acordei naquele lugar estranho, e pela primeira vez em anos eu não pensei na probabilidade de estar louco, uma coisa que causava algo muito parecido com surpresa, exceto pelo fato de que era bem diferente, então a única coisa que consegui pensar para perguntar foi: 
"Então eu estou morto?" 
Então o homem explodiu em risadas, e as risadas ecoavam pelas paredes que não eram paredes, ou será que esse efeito vinha da minha mente? Eu fui um drogado desde os 15 anos de idade, e hoje eu tinha... 21? Ou seria 25? Droga era difícil ter certeza, mas algo que eu lembrava era de alguns chás de cogumelos que me faziam sentir parecido com que eu me sentia agora, embora ainda fosse muito diferente, mas era o único parâmetro que eu tinha para aquelas sensações. 
"Não garoto você não está morto, longe disso, ou talvez nem tanto, mas essa foi sua terceira pergunta, e temos que dar atenção à que foi feita antes dessa, você ainda se lembra qual foi? Esse lugar pode pregar algumas peças em nossa mente." 
Por um momento minha mente ficou branca (ou escura) como o lugar em que eu estava, e eu não sabia o que havia, porém depois de pouco (ou muito) tempo eu lembrei: 
"Quem é você?" 
Ao ouvir a pergunta o homem sorriu, o sorriso mais próximo de um sorriso de verdade que eu  tinha visto dele até então. 
"Ah, mas eu tenho tantos nomes. O portador da Luz, O Brilhante, Estrela da Manhã, Lúcifer, você pode escolher" 
Aquela sensação de insensibilidade persistia em mim e isso começava a (quase) me incomodar, eu sabia que devia ficar puto por alguém estar brincando comigo daquele jeito, ou apavorado pela loucura finalmente ter tomado conta de mim, mas não conseguia sentir nada daquilo, ou simplesmente nada. 
"Então você é o diabo?" 
"Aaah o Diabo, uma coisa eu posso garantir pra você garoto, o Diabo não existe, sendo ele eu sei disso melhor que qualquer um. O Diabo é apenas uma invenção dos homens para polarizar e colocar um conceito de bem e mal, preto ou branco, onde tudo que existe é neutralidade e tons de cinza, seria bom você compreender isso se um dia sair daqui" 
Finalmente algo que despertou uma pequena faísca de sentimento em mim, e no exato momento em que senti isso Lúcifer olhou pra mim com uma expressão perturbadora. 
" 'A esperança é a ultima que morre', realmente" 
"Pensei que eu não estivesse morto". 
"E não está, mas aqui suas emoções morrem de certa forma, você está aqui para ser provado, testado e contestado, e suas emoções atrapalham esse processo, porem a esperança é intrínseca à humanidade, e vocês a carregam mesmo após a morte, e até quando não deveriam carregar nada, e ainda acham que isso é algo bom. Pandora foi a única que compreendeu tal maldição." 
Outra pergunta veio a minha mente e eu resolvi faze-la antes que esquecesse. 
"Por que eu estou aqui?" 
"Finalmente uma pergunta relevante, mas antes de responde-la eu preciso te perguntar algo, do que você lembra antes de acordar aqui?" 
E então eu senti um frio em minha cabeça, onde eu havia encostado o revolver, lembrei e ouvi mais nitidamente as vozes que me incentivavam e as que tentavam me fazer mudar de ideia, alguns rostos, e outras formas grotescas passaram pela minha cabeça, e mais uma vez lembrei de Tris e com essa lembrança pude ouvir, sem saber se era na minha mente ou naquele lugar onde estava o barulho do tiro. 
"Eu me matei", eu disse lentamente "Eu não aguentava mais viver à beira da loucura, viver com culpa, e acho que pra ser sincero não aguentava mais viver. Resolvi aquilo com um tiro na cabeça, com a arma que eu tinha comprado pra me defender, a arma que Tris tinha sido tão fortemente contra a aquisição" 
Lúcifer me olhou, e eu não pude decifrar aquele olhar, não sabia se o que havia ali era surpresa, ou decepção, mas uma palavra martelava minha mente: cobiça 
"Com detalhes? Talvez eu tenha te subestimado um pouco meu querido Luke. Seja como for, você está certo em tudo menos no essencial, você não se matou, você tentou se matar, e me orgulho em dizer que eu tenho um dedo nessa tentativa, mas você ainda não morreu, e eu já lhe disse isso, nesse momento, seu corpo físico está deitado em uma cama de hospital em estado comatoso e é por isso que estamos tendo essa conversa aqui e não no inferno como eu gostaria, mas precisamos nos contentar com o que nos é dado até que se possa ter o que queremos" 
Enquanto ele falava eu via que Lúcifer não era como eu esperaria que fosse, sempre foi descrito que o Diabo era um ser belo, bem vestido, de fala mansa e sedutor, enquanto que a figura que estava ali, apesar de "bela" era perturbadora de uma forma que eu não conseguia e sabia descrever, talvez fosse o lugar, mas eu não sabia ao certo. 
"Você teve um dedo na minha tentativa? Como? Pensei que houvesse livre arbítrio" 
"E há. Veja bem, eu não o forcei a puxar o gatilho, eu apenas sugeri que o fizesse, e na verdade não era eu, e sim alguns amigos, tinha uma pequena multidão naquela sala com você, apesar de você ter se recusado a ver por muito tempo, alguns eram meus amigos, por assim dizer, outros eram amigos de conhecidos, cada um querendo seu poder para si, e foi sob a influencia de um desses meus amigos que você puxou o gatilho, mas parece que você tem muitos admiradores e não conseguiu terminar o serviço, por isso você esta aqui, para saber que agora faz parte do jogo, e como foi sob minha influencia que você veio é meu dever te dar algumas respostas. Não é do meu feitio, mas regras são regras. 
Eram muitas informações em pouco e eu não conseguia absorver tudo que ele me falava, porém consegui ouvir o suficiente para a próxima pergunta. 
"Você disse, que eu tenho poderes, e que os quer pra você, que poderes são esses?" 
Lúcifer parecia entediado com minhas perguntas, o que me fez me perguntar quantas pessoas ele já não havia induzido como a mim. 
"Você sempre ouviu vozes, sentiu coisas estranhas, teve pesadelos e momentos em que não sabia dizer se estava acordado ou sonhando, como um ser humano qualquer você começou a se convencer de que estava enlouquecendo quando na verdade apenas estava despertando sua sensibilidade para o que estava a sua volta. Você não é louco, sua "loucura" são poderes, bênçãos ou maldições, chame como quiser, porem é algo valioso no mundo espiritual, outro lado, outro plano, chame como quiser, e por isso você é valioso para nós ainda que de formas diferentes para cada um de nós. Devo dizer, que o espirito que te fez puxar aquele gatilho tinha dons bem parecidos com os seus." 
Eu queria poder vomitar, só pra não ter que ouvir nem pensar naquilo, pois quando se vomita não se pensa em nada, só naquela agonia do vomito, porém eu não podia vomitar e sendo assim eu não tinha muito o que fazer depois de saber que era apenas um instrumento, e esse pensamento me levou àquela que seria a ultima a pergunta daquele encontro. 
"Se eu não estou morto, não sou um suicida, pelo menos ainda não e acho que isso faz com que você não possa me usar, então a pergunta que não quer calar é o que acontece agora?" 
"Finalmente garoto, essa resposta é mais complexa do que parece e quem a responderá será você. Agora você volta ao seu mundinho de merda, como um jogador do nosso jogo, e antes que pergunte quem somos "nós" eu respondo, somos todos aqueles de quem você já ouviu falar. Eu, Yahweh, Jesus, Odin, Ogum, Zeus, Isis, Krishna, Bel e quem mais você quiser nomear. Agora você não pode mais virar as costas para seus dons, o que você fará a partir daí é que define o que vai acontecer." 
Eu fiquei olhando pra ele, esperando algo mais pois pra mim aquilo não fazia nenhum sentido, mas ele continuava a me encarar e eu já não sabia mais o que perguntar. 
"Ah, quase me esqueci, como você veio pra cá sub minha "tutela" quando você voltar sua ligação comigo será um pouco mais forte que com os outros, portanto não se surpreenda se eu aparecer no meio do seu sono, eu fico entediado muito facilmente, e tente não se assustar demais no hospital. Agora eu vou embora, sou um espirito muito ocupado e não posso ficar perdendo tempo com investimentos de risco. Adeus, e tome cuidado com as balas" 

 De repente tudo ficou escuro, verdadeiramente escuro, e de repente outra mudança. Eu podia sentir, e sentia dor, percebi que estava deitado em uma cama não muito confortável e experimentei abrir os olhos, e eu vi e imediatamente reconheci o lugar em que estava como um quarto de hospital, estava tonto, mas um pouco aliviado de ter acordado daquele sonho. 
Procurei o botão próximo a cama para chamar a enfermeira e de repente vi uma sobra que tomou uma forma monstruosa e entrei em pânico. 
"Tente não se assustar demais no hospital" 
De repente percebi três coisas. 
A primeira era que não havia sido um sonho. 
A segunda era que eu não tinha ficado louco. 
E a terceira era que eu nunca quis tanto ser louco. 



Felipe Santos
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