Frenesi
Eu estava agachado atrás do carro procurando alguma cobertura enquanto
ouvia os sons dos disparos e dos projeteis acertando a lataria do carro já
completamente alvejado.
- Se não revidarmos eles vão nos
flanquear! - Gritei para meu companheiro, sem saber se seria ouvido em meio ao
barulho.
Tive minha resposta quando vi Harry acenar com a cabeça e correr meio
que serpenteando em direção a ultima coluna de concreto de uma construção
qualquer, ha muito destruída, fazendo com que parte dos projeteis fossem direcionados
a ele.
"Filho da puta imbecil", pensei meio que agradecendo por ter
alguém tão louco do meu lado. Imediatamente me levantei para responder aos
disparos do inimigo e sorri ao ver que Harry já tinha um deles sob controle,
preso atrás de uma pilha de entulho sob a chuva de tiros comandada por Harry.
Então algo se espatifou ao meu lado e vi que estava sendo alvejado
novamente por outro dos meus inimigos e me joguei imediatamente de volta ao
chão.
Meu movimento brusco deve ter dado ao meu adversário a ilusão de ter me
acertado, pois por baixo do carro pude ver pés se aproximando.
Arrastei-me para debaixo do carro e aguardei a aproximação do inimigo,
se eu desse sorte conseguiria pegá-lo desprevenido quando chegasse à lateral do
carro. Vi que conforme se aproximava, o homem andava mais calmamente e tal
atitude fez com que eu me preocupasse com Harry. Quando o maldito se aproximou
o suficiente eu me arrastei da forma mais rápida e silenciosa que pude para
fora da cobertura do carro. Não fui exatamente bem sucedido, pois ele acabou me
vendo sair debaixo do carro, mas o fato de tê-lo pego de surpresa me ajudou, e
aproveitando-me desse fato eu consegui chutar o joelho dele com força suficiente
para desequilibra-lo e fazê-lo cair sobre os joelhos, e então num movimento
rápido eu já estava de pé chutando-o mais uma vez, dessa vez na mão para
desarma-lo, quando ele soltou a arma eu puxei a minha e apontei para a cabeça
dele.
- Você se entrega? - Perguntei cheio de prazer e triunfo.
- Sim - Concedeu ele em tom mal humorado.
Nesse momento eu puxei o gatilho e vi o corpo do garoto sendo lançado ao
chão pelo impacto.
- Chris seu puto, essa merda machuca - disse meu primo Jack, massageando
a mancha de tinta em seu peito que demarcava o lugar onde eu o tinha atingido à
queima roupa.
- Eu sei - Respondi rindo - Não pude resistir, desculpa.
- Tudo bem.
Estendi a mão para ajuda-lo a se levantar, e uma vez em pé e rindo junto
comigo, parei para prestar atenção ao cenário criado para parecer uma cidade
destruída pela guerra na arena de paintball
e percebi que meu pai, Harry, e meu tio John tinham parado de trocar tiros
para ver o resultado do meu confronto com Jack, que sempre era muito mais
interessante do que os deles próprios.
- Então acho que é mais uma
vitória pro time masculino certo pai? - eu disse, querendo irritar Jack mais um
pouco.
Para minha surpresa ele riu.
- Você mal conseguiu acertar um
tiro cara, quanto mais ganhar da gente.
- E o que é isso aí no seu peito
seu babaca? Sem contar na sua rendição cinco segundos atrás.
- Beleza, essa fica pra você e
pro tio Harry. Feliz aniversário seu bosta. - E então ele me surpreendeu com um
abraço - Não é todo dia que se faz vinte anos cara, qual vai ser a boa pra
hoje?
- Aguarde e verás - Eu disse
misterioso.
A verdade é que eu não podia dizer qual era a boa pra noite porque os
pais de ambos estavam lá, e provavelmente estes não gostariam de ouvir o que eu
tinha a dizer.
- Então acho que podemos
continuar com a programação certo filho? - Meu pai perguntou
- Beleza. Próxima parada bar do
tio Sam.
Eu tinha um relacionamento com meu pai que ia muito além dos laços de
sangue, pra mim nós éramos muito mais que pai e filho, éramos amigos tão
próximos quanto Jack e eu. Esse tipo de relação permitia que sempre que um de
nós quatro fizesse aniversario, nos juntássemos para um dia de programas que
iam do paintball até o bar do tio
Sam, onde podíamos beber e ver algumas strippers enquanto conversávamos e
gritávamos como os jovens que Jack e eu éramos e que nossos pais tinham sido um
dia.
Mais tarde, já de volta à minha casa, comi um pouco do bolo de
aniversário que minha mãe tinha feito pra mim e fui pro meu quarto pra me
arrumar pra verdadeira comemoração do meu aniversário, onde pais não seriam
permitidos, pois veriam a adolescência que tinham deixado para trás e
prometeram que não deixariam seus filhos passarem pela mesma. Ao sair do banho
me olhei no espelho e sorri, nunca fui o tipo de pessoa que pensasse que a
aparência era algo a ser mais valorizado do que o cérebro. Ironicamente, porém,
eu sempre chamei a atenção por causa desse atributo. Tinha olhos pretos como um
céu noturno sem estrelas, um nariz reto e fino e uma boca bem desenhada. Mas o
que eu gostava mesmo em minha aparência era meu cabelo que era preto como meus
olhos e descia liso até meus ombros e emoldurava meu rosto.
Quando terminei de me arrumar olhei no relógio e vi que ainda era cedo
para sair de casa, 23h30min, então liguei o computador reproduzi a playlist do
Metallica e fui ver meu email e minhas redes sociais. Como era meu aniversário,
minha caixa de entrada, assim como minha pagina no Chestbook, estava explodindo
de votos de feliz aniversário. "Não vou responder porra nenhuma agora. Por
que eu entrei nessa merda?" comecei a me perguntar. Então comecei a
garimpar os emails que não eram sobre meu aniversário, lá pelo quinto achei um
email de um cara que parecia só ter duas paixões na vida: pornografia e teorias
da conspiração. O assunto era "Frenesi" e tinha um vídeo como anexo,
logo pensei que era pornô barato "vai ter que esperar até amanhã".
Desliguei o PC e fui pra minha festa.
No dia seguinte à festa acordei com o cérebro meio lento pela ressaca do
álcool e das drogas que havia consumido na noite anterior então tudo que pude
fazer por um longo tempo foi vomitar e tentar me lembrar dos acontecimentos da
festa. Quando finalmente consegui me levantar liguei o computador, deixei
rodando a playlist do Pink Floyd e fui até a sala avisar meus pais que estava
vivo. Quando voltei ao meu quarto com água, sal de frutas e alimentos de fácil
digestão me lembrei dos emails que tinha recebido no dia anterior e comecei a
respondê-los.
Quando estava lá pelo quinto me deparei novamente com o email do Bob, o
viciado em pornografia, e fiquei refletindo se seria prudente abri-lo. Estava a
ponto de excluir o email quando reconsiderei e fui ver o conteúdo.
Havia um vídeo em anexo e uma linha de mensagem que dizia: Não é pornô seu pervertido.
Não pude evitar um sorriso ao ler a mensagem e pensei que só poderia se
tratar de uma nova teoria da conspiração descoberta pelo Bob. Comecei a fazer o
download do vídeo. Nunca fui um entusiasta dessas teorias, à exceção da que diz
respeito ao 11 de setembro, mas sempre achei que algumas tinham argumentos
muito interessantes e até mesmo plausíveis, por isso achei que seria
interessante ver o que Bob havia reservado pra mim.
Abri o vídeo assim que o download terminou, e o que eu vi tirou meu sono
durante muito tempo. O vídeo começava com uma mensagem de aviso "Cenas extremamente
fortes" e cortava pra uma filmagem tosca, provavelmente de uma câmera de
celular, de duas mulheres conversando, uma delas a própria
"cinegrafista". Elas estavam no que parecia ser uma casa bem pequena,
já que o cômodo em que se encontravam parecia ser a sala e mal acomodava a mobília
antiga que decorava o local. Uma boa parte do vídeo transcorre com ambas
conversando sobre nada em especial, quando uma batida forte foi ouvida na porta
da sala, tão forte que foi possível ouvir o barulho de madeira se soltando.
- Quem é? - perguntou a mulher que estava visível no vídeo, demonstrando
pânico na voz.
A única resposta que ela teve foi outra batida, ainda mais forte, na
porta. Dessa vez foi possível ver farpas de madeira voando pela sala.
- Larga essa merda e sai pela porta dos fundos.
- Não.
Ambas correram para o que parecia ser a cozinha e cada uma pegou uma
faca. Eu estava me perguntando por que a garota ainda estava com o celular na
mão. Mas antes que outro pensamento pudesse se formar na minha cabeça eu ouvi
um estrondoso barulho de madeira se espatifando, sinal de que o trinco da porta
das mulheres no vídeo havia finalmente cedido. Quando as duas chegaram na sala
se depararam com um homem de cerca de um metro e oitenta, careca e musculoso. A
constituição física do cara nem de longe assustava tanto quanto a sua
expressão. Ele tinha os olhos arregalados e absurdamente vermelhos e algo em
seu rosto sugeria um ódio profundo, estava mostrando os dentes como um cachorro
e salivando freneticamente. Concluí que ele estava infectado pelo vírus da
raiva.
A primeira mulher não quis saber de nada disso e avançou pra cima dele
enterrando a faca no peito do homem. Ele pareceu não sentir os trinta centímetros
de metal que penetraram seu peito e jogou a mulher no chão com violência, a
segunda mulher pareceu despertar de algum tipo de transe, largou o celular e só
pude supor que também tentou atacar o homem. Nunca soube se seu ataque havia
sido bem sucedido, mas ouvi o barulho de vidro se quebrando e algo batendo com
força no chão e pude supor que ela tinha tido o mesmo destino da outra mulher.
Ao passar pelo celular o homem o chutou, tornando possível que eu visse
a merda que viria a seguir. As mulheres já tinham se levantado e estavam se
preparando para fugir quando o homem alcançou uma delas, ele agarrou o braço da
mulher, a trouxe para junto dele e a mordeu,
não como um ser humano faria, mas como um animal.
Ouvi a outra garota gritar quando viu aquela coisa arrancar com os
dentes a jugular de sua companheira, o homem, porém pareceu se esquecer da outra
mulher e continuou mordendo e dilacerando sua vitima. Foi quando a garota
entrou no campo de visão da câmera com o que parecia ser a perna de uma mesa e
acertou o homem com força suficiente para derruba-lo, em cima do celular,
diga-se de passagem.
Quando o homem caiu deve ter pressionado algum botão, porque foi nesse
ponto que o vídeo terminou, me deixando horrorizado e com uma pergunta
martelando na minha cabeça: "O que era aquilo?”.
Conto por: Luiz Felipe
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